domingo, 18 de março de 2012

PARA PAIS ATENTOS: LITERATURA INFANTIL POR DUAS AUTORAS ( REVISTA "LÍNGUA PORTUGUESA" , EDIÇÃO 77)

Qual o problema mais grave que vê nos infantis mal escritos?


As pessoas escrevem como quem escreve para o curso colegial. Não tem nenhum traço literário naquilo. E a maior parte não sabe o que é criança. Tem gente sem noção nenhuma, que faz historinhas sobre os próprios filhos, os netos, o cachorro... Saem falsas. Outra coisa que sai bobo são histórias de objetos humanizados, tipo, "a história da xícara que se apaixonou pelo pires...". Bicho a gente humaniza com facilidade. Estão aí as fábulas. Você faz uma história de bicho, e as pessoas leem e sabem que é sobre gente. Mas o pior é que as pessoas não têm uma história para contar. Param no meio, e quando fecham, é uma bobagem.

Ruth Rocha , criadora de Marcelo, Martelo, Marmelo , em entrevista a Rachel Bonino,
Língua 32, junho de 2008. A autora teve entre seus mais recentes lançamentos
uma versão da Ilíada , de Homero, editada pela editora Salamandra



Que cuidados se deve tomar ao criar livros infantis?

Primeiro, respeitar a inteligência da criança. Elas entendem tudo muito bem, não são bobinhas. Muitas das clássicas fábulas com bichos se comportando como gente não eram escritas de olho no público infantil, eram críticas disfarçadas aos governos. Na Europa, fábulas eram muitas vezes metáforas, comentários sobre o mundo. E caíram no gosto das crianças. Segundo, e sem cair num papo politicamente correto, é preciso evitar que aspectos físicos, religiosos e étnicos dos personagens sejam associados a maus instintos. Não é preciso falar nisso, mostrar um corcunda mau, uma madrasta ruim. (...) É preciso, afinal, evitar a todo custo a mania de dar moral à história. Não é preciso empurrar uma verdade goela abaixo. (...) Aprendi bem cedo que tudo na vida tem vários aspectos. (...) Quando descobri Lobato, de cara quis ser Emília, ela também contesta a moral das histórias. Há uma passagem do Sítio, ao ouvir uma história em que a moral era "Fazer o bem sem olhar a quem", Emília saltou indignada: "Fazer o bem a quem merece, isso sim". Não é preciso querer ensinar algo à criança, porque ela no fundo não gosta de estudar, gosta é de aprender e apreender o ambiente, o mundo, a vida em volta. Quem não atrapalha já ajuda muito.

Tatiana Belinky , de U m Caldeirão de Poemas (Cia. das Letras), a Luiz Costa Pereira Junior , Língua 55 , maio de 2010. Em maio, ela foi a patronesse da VI Flipoços, de Poços de Caldas (MG)

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