Etimologia
O doce enigma do brigadeiro
(TEXTO ADAPTADO)
Caso de um dos
doces mais famosos do país mostra a dificuldade da certeza sobre a
origem de um sentido, mesmo recente, dado a uma palavra
Mário Eduardo Viaro
A palavra "brigadeiro", com o sentido básico de "oficial comandante de uma brigada", ao que tudo indica tem datação abonada no Houaiss
para início do século 18. A palavra "brigada", da qual se deriva, é de
meados do século 17. E, de fato, ambas são mais antigas na língua de que
se extraem os étimos das palavras portuguesas: o francês aponta para
1640 a primeira ocorrência de brigadier e para cerca de 1360 a palavra brigade. O italiano também tomou por empréstimo do francês a palavra brigadière (abonada em 1674), embora brigata seja o étimo da francesa brigade e aparece, no italiano, com o sentido de "grupo de amigos" já no século 13 (com o sentido bélico, apenas no século seguinte).
Hipóteses
A denominação do doce brigadeiro é foneticamente idêntica ao termo militar. Podemos trabalhar com duas conjecturas:
1) trata-se de palavra com étimo independente e, portanto, homônima;
2)
trata-se de uma acepção distinta da mesma palavra, isto é, teria a
mesma origem. Nesse último caso, seria reflexo da polissemia natural das
palavras, as quais, quase sempre, costumam ter mais de um sentido.
As
duas hipóteses são igualmente válidas e uma delas só pode ser
descartada mediante investigação. Normalmente, os dicionários dispõem
palavras homônimas em verbetes distintos, mas preferem engordar o mesmo
verbete polissêmico com acepções.
O sentido "certo doce feito com leite condensado e chocolate, geralmente
sob a forma de bolinhas cobertas de chocolate granulado" aparece no Houaiss
como acepção, portanto, polissemia do mesmo verbete e não como verbete
homônimo independente. Mas quem decide isso, de fato, para os
lexicógrafos são os etimólogos.
O mesmo dicionário aponta para
"depois de 1950" o surgimento dessa acepção, tida como brasileirismo. De
fato, consultando a Wikipedia, veremos que o nome "brigadeiro"
percorreu o mundo como empréstimo proveniente do português brasileiro: a
palavra aparece em francês, espanhol, inglês, hebraico, holandês e
sueco.
Diz-se que o doce é uma homenagem ao patrono das Forças Aéreas
Brasileiras, o brigadeiro Eduardo Gomes (1896-1981), que se candidatara
em 1946 e em 1950 à presidência da República pelo partido da União
Democrática Nacional e teria distribuído doces em sua campanha. O
próprio doce (ou seria apenas sua denominação?) teria irradiado da
cidade de São Paulo já em 1946 (outros apontam o Rio de Janeiro; outros,
algum lugar indefinido de Minas Gerais). Não é claro se o doce já
existia antes (se sim, como se chamava: "bolinhas de chocolate",
"negrinho"?) ou se, de fato, foi inventado naquela ocasião, com o nome
atual e tudo.
Mário Eduardo Viaro é professor de língua portuguesa na USP, autor de Por trás das palavras: manual de etimologia do português (Globo: 2004) e de Etimologia (Contexto: 2011)
(Fonte: http://revistalingua.uol.com.br/textos/78/o-doce-enigma-do-brigadeiro-255322-1.asp)
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