quarta-feira, 30 de novembro de 2011
POEMA ESCOLHIDO
SILÊNCIO AMOROSO 1
Deixa que eu te ame em silêncio.
Não pergunte, não se explique, deixe
que nossas línguas se toquem, e as bocas
e a pele
falem seus líquidos desejos.
Deixa que eu te ame sem palavras
a não ser aquelas que na lembrança ficarão
pulsando para sempre
como se amor e vida
fossem um discurso
de impronunciáveis emoções.
(AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA)
terça-feira, 29 de novembro de 2011
MINI-CONTO: FIM
Quando ela se foi o muro lá fora desapareceu. Assim que no dia seguinte ele se levantou, o guarda-roupa tinha sumido. Chorou um pouco, mas se conformou quando viu que uma das paredes do quarto também não existia mais. Porque ela se foi a cada dia sumia algo: as janelas, quase todas as paredes, o telhado já não existia, nem sequer as portas, não havia o chão. Chorou mais um tanto, porque o céu e as árvores escafederam-se, porque as cores das coisas sumiram, depois as próprias coisas viraram nada. Um vazio de tudo cercou-o porque ela foi embora. E ele se sentou e chorou. Só ele ficou.(FRANCISCO CARVALHO)
terça-feira, 22 de novembro de 2011
MINI-CONTO: RITUAL POR UM ROSTO
Naquele dia colou fotos dele nos postes todos da cidade.Depois, as mesmas fotos do rosto dele ela afixou em quase todos os muros, mandou fazer até um outdoor com aquela face. Ainda assim, de um helicóptero lançou milhares de fotinhas do rosto levemente barbado de seu namorado. Desesperada, imprimiu aquele rosto nas camisetas de todos os passantes das ruas todas. Enlouquecida, tatuou-o no corpo quase todo. Fez com que no MASP as obras fossem trocadas por variações do rosto do namorado, em todos os estilos, de todos os séculos. Nos canais todos de tv passava o rosto levemente barbado de seu namorado.
Não era o fim de um amor, não era a busca pelo amante que se foi sem deixar notícias. Era simplesmente a celebração da beleza do rosto dele, de cada célula, de fios da barba, do nariz aristocrático de Ashton Kutcher, das nuances e trocas de luz sobre a pele do rosto. Era a celebração do sorriso do namorado, sorriso entre tímido e escancarado, mas devastador. Era o grito pela beleza negra de seus olhos, que prometiam e recusavam, olhos de ressaca. Não, as fotos não eram por uma busca, eram já por um encontro, que o rosto lindo do namorado dela era para ser celebrado, festejado. Como se festeja a leitura de um poema de Neruda, como se celebra um mar calmo, como se abisma diante da cena inicial de "Morte em Veneza" de Visconti, como se encanta com a simplicidade e profundidade de "Cajuína" de Caetano Veloso. Um rosto é pra ser celebrado. (FRANCISCO CARVALHO)
Não era o fim de um amor, não era a busca pelo amante que se foi sem deixar notícias. Era simplesmente a celebração da beleza do rosto dele, de cada célula, de fios da barba, do nariz aristocrático de Ashton Kutcher, das nuances e trocas de luz sobre a pele do rosto. Era a celebração do sorriso do namorado, sorriso entre tímido e escancarado, mas devastador. Era o grito pela beleza negra de seus olhos, que prometiam e recusavam, olhos de ressaca. Não, as fotos não eram por uma busca, eram já por um encontro, que o rosto lindo do namorado dela era para ser celebrado, festejado. Como se festeja a leitura de um poema de Neruda, como se celebra um mar calmo, como se abisma diante da cena inicial de "Morte em Veneza" de Visconti, como se encanta com a simplicidade e profundidade de "Cajuína" de Caetano Veloso. Um rosto é pra ser celebrado. (FRANCISCO CARVALHO)
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
"ESCLEROSE AMOROSA" (POEMA DE AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA)
O que fazíamos no leito?
De tua voz já nem me lembro.
Tuas pernas dissolvem-se na neblina.
Havia uivos de gozo?
Nem dos seios sei exatamente.
O que eu fazia? O que fazias?
Ah!uma vaga lembrança
a que nem amor eu chamaria.
No entanto, parece que eu sofria.
Sofria?
Já não me lembro por que sofria.
(Pintura: "Tempestade de neve", Turner, 1842)
De tua voz já nem me lembro.
Tuas pernas dissolvem-se na neblina.
Havia uivos de gozo?
Nem dos seios sei exatamente.
O que eu fazia? O que fazias?
Ah!uma vaga lembrança
a que nem amor eu chamaria.
No entanto, parece que eu sofria.
Sofria?
Já não me lembro por que sofria.
(Pintura: "Tempestade de neve", Turner, 1842)
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